terça-feira, 28 de setembro de 2010

TecnoMetal entrevista Rafael Campos Pereira, Vice-Presidente Executivo da AIMMAP

“Continuamos a defender que o Código Contributivo deve ser pura e simplesmente revogado”

Em entrevista à TecnoMetal, Rafael Campos Pereira, Vice-Presidente Executivo da AIMMAP, analisa o estado do sector metalúrgico e metalomecânico em Portugal, pronunciando-se ainda sobre um conjunto de outros temas de grande actualidade e pertinência para as empresas filiadas na associação.

TM: Há uma pergunta recorrente em todas as entrevistas efectuadas aos principais responsáveis da AIMMAP e é precisamente com ela que iniciaremos esta conversa: como está actualmente a saúde da indústria metalúrgica e metalomecânica portuguesa?
RCP:
Se a questão que coloca é recorrente, também o enquadramento da resposta terá de o ser. Com efeito, é importante começar por dizer a esse respeito que o nosso sector é extremamente heterogéneo aos mais diversos níveis: dimensão das empresas, características dos produtos, tipos de clientes. Dentro do grande sector do metal há um conjunto de subsectores com especificidades evidentes. Daí decorre que nem sempre se possa fazer uma avaliação simplista do estado do sector metalúrgico e metalomecânico, sendo importante reconhecer que, em cada momento, haverá necessariamente alguns subsectores que se encontram em melhor situação do que alguns outros.
Apesar de tudo, há uma síntese que pode e deve ser feita. Nesse âmbito, o primeiro ponto a sublinhar é o de que o sector, tal como a generalidade dos restantes sectores portugueses, ainda está a sofrer os efeitos de duas crises simultâneas: a crise internacional e a crise portuguesa. A primeira implicou uma redução das exportações em 2009; a segunda afectou o consumo interno. Tais circunstâncias, associadas ou não, fizeram baixar a facturação e os resultados de um número grande de empresas do sector, particularmente ao nível das fileiras dos materiais de construção, dos fabricantes de máquinas ou dos componentes para o sector automóvel.
Para além do exposto, há a sublinhar o aumento dos preços das matérias-primas, dos custos energéticos e dos combustíveis. E não pode deixar igualmente de se sublinhar como importante factor de inibição da competitividade das empresas do sector, a crescente dificuldade no acesso ao financiamento bancário e algumas medidas erradas do governo e da administração pública, nomeadamente ao nível da fiscalidade, da formação e da justiça.
Não obstante o exposto, em termos globais, apesar de todas essas enormes contrariedades, o desempenho das empresas continua a ser positivo. E pode dizer-se que, depois de um ano de 2009 muito difícil, o presente ano de 2010 vai ser concluído com resultados muito melhores, evidenciando uma clara situação de recuperação e retoma.
Mas devo dizer que isso acontece quase exclusivamente em razão do esforço e da dedicação dos respectivos empresários, gestores e colaboradores. Aliás, deve dizer-se com toda a frontalidade que a receita para o sucesso de muitas das empresas do sector metalúrgico e metalomecânico nacional é a sua própria aposta na excelência, materializada designadamente num contínuo investimento nos chamados factores de diferenciação.
Apenas por tal motivo há cada vez mais empresas no sector que são verdadeiros casos de sucesso na economia nacional. E é inequívoco que também por tal motivo há tantas empresas desta indústria a resistir às constantes adversidades.

TM:
Em que indicadores a retoma a que se refere se torna mais evidente?
RCP:
É sabido que este sector metalúrgico e metalomecânico tem vindo a ser aquele que, ao longo dos últimos anos, melhores performances tem revelado nos indicadores mais relevantes em termos económicos e sociais, como sejam a criação de emprego, o volume de exportações ou o investimento privado.
Tal como sucedeu na generalidade dos restantes sectores, em 2008 as empresas do sector recuaram também nesses domínios.
Verifica-se porém que, em 2010, está já a haver uma significativa recuperação nesse âmbito.
Assim, ao nível do emprego, o sector voltou a ser o único que criou postos de trabalho em termos líquidos. No investimento privado, embora mais ténue, a inversão da tendência do ano anterior também é uma realidade. E no que respeita às exportações, regista-se um crescimento de cerca de 13%, sendo além disso evidente que, como vinha a suceder até 2008, o sector metalúrgico e metalomecânico volta a ser o principal responsável pelo crescimento do volume de vendas de bens e produtos portugueses para o exterior.
Pena é que estes desempenhos raramente sejam reconhecidos pelos nossos governos. Esperemos que o estudo sobre o sector que em breve iremos divulgar ajude os observadores e os agentes políticos a olharem este magnífico sector com outros olhos.

TM:
Fez referência expressa à criação de postos de trabalho nas empresas do sector, mas a verdade é que a AIMMAP tem-se queixado de grandes dificuldades das empresas no recrutamento de mão de obra. Não lhe parece haver aí uma contradição?
RCP:
Não há qualquer contradição. Pelo contrário, as duas questões estão absolutamente ligadas, sendo aliás certo que a constatação de tais dificuldades na contratação de trabalhadores apenas foi possível pelo facto de as empresas estarem efectivamente a investir na criação de emprego. Se as empresas não estivessem empenhadas na criação de postos de trabalho não teriam naturalmente detectado as dificuldades que a AIMMAP tornou públicas.
Devo esclarecer que essa conclusão não é meramente empírica. Resulta das queixas das empresas associadas mas também de um estudo rigoroso que a AIMMAP efectuou a partir de um inquérito que lançou à generalidade das empresas do sector.
A conclusão mais relevante desse estudo é a de que as empresas sentem muitas dificuldades em contratar pessoas que se encontram a receber subsídio de desemprego.
Nós não somos contra as políticas sociais de apoio aos desempregados. Mas havemos de convir que uma política que motiva os desempregados a continuarem a receber o subsídio de desemprego ao invés de preferirem trabalhar nas empresas é altamente nociva para a economia portuguesa. Apesar de algumas alterações que recentemente foram efectuadas à legislação de protecção do desemprego, é evidente que há ainda muitos mais ajustamentos a fazer no sentido de evitar que este verdadeiro escândalo continue a alastrar.

TM:
Em sua opinião quais os pontos mais relevantes da actividade da AIMMAP no presente ano de 2010?
RCP:
O presente ano fica antes de mais nada marcado pelo facto de ter havido eleições para os órgãos sociais da AIMMAP, sendo de sublinhar a esse respeito que a participação no acto eleitoral em causa foi a mais significativa dos últimos 30 anos.
Por outro lado, independentemente de alguns factos ou eventos mais específicos que marcaram o ano de forma muito positiva e que pretendo realçar em seguida, quanto a nós o ponto mais relevante continuou a ser o trabalho de consultadoria e apoio diário aos nossos associados. Os nossos diversos departamentos prestaram no seu conjunto, até ao final de Agosto, um número superior a três mil consultas a associados. Por telefone, e-mail, fax ou pessoalmente. Nos domínios da legislação laboral, contratação colectiva, fiscalidade, propriedade industrial, certificação, normalização, ambiente, higiene e segurança no trabalho, economia, mercados e internacionalização entre vários outros. E com uma qualidade que é unanimemente reconhecida.
Num outro plano, regista-se a importante revisão dos estatutos da AIMMAP, aprovada em reunião da assembleia geral, com o objectivo de consolidar um diferente modelo de funcionamento da associação tendo em vista a resposta aos novos desafios que o futuro nos reserva.
De uma importância ainda mais relevante, há a enfatizar a celebração de novos contratos colectivos de trabalho aplicáveis às relações entre as empresas associadas da AIMMAP e a grande maioria dos seus trabalhadores.
Tais acordos foram o corolário de um longo processo que se havia iniciado com a denúncia e a concomitante caducidade dos velhos contratos colectivos de trabalho, concretizada pela AIMMAP há já alguns anos. Finalmente, as empresas do sector e as filiadas na AIMMAP em particular passaram a ter ao seu dispor contratos colectivos ajustados à realidade actual, os quais são verdadeiros instrumentos de apoio às empresas na gestão dos respectivos recursos humanos.
Não tenho a menor dúvida de que esse facto foi não só uma marca da actividade da AIMMAP no presente ano como além disso um marco altamente relevante na sua história riquíssima.

TM:
Relativamente ao ano de 2011, quais serão as matérias prioritárias para a AIMMAP?
RCP:
Em primeiro lugar as que constam de forma mais enfatizada do programa de candidatura apresentado pela lista única que concorreu às eleições para os órgãos sociais e que actualmente dirige a associação.
Recordo a esse respeito que as prioridades anunciadas foram a internacionalização, a formação e a inovação. Estamos a preparar iniciativas específicas em cada uma dessas áreas.
Mas para além dessas, não descuraremos a defesa das nossas causas – sempre naturalmente ajustadas àquilo que o poder político vier a fazer em cada momento.

TM:
Seria oportuno que se pronunciasse relativamente a alguns dossiers específicos em que a AIMMAP procurará seguramente interagir com o poder político e a administração pública. Comecemos pelo Código Contributivo cuja entrada em vigor esteve prevista para o início de 2010 e acabou entretanto por ser adiada para 1 de Janeiro do próximo ano.
RCP:
Entendemos claramente que o simples adiamento da entrada em vigor do diploma foi um erro. Esse adiamento foi um mero remendo que não resolveu o problema de fundo. O Código em causa é mau e não serve os interesses dos trabalhadores, das empresas e da economia em geral. Pelo que a sua eventual entrada em vigor seria muito negativa para o país. Assim sendo, conforme o defendemos antes, continuamos a entender que o Código deve ser pura e simplesmente revogado. É será preciso reflectir com serenidade antes de se decidir construir e fazer entrar em vigor um novo diploma em tal âmbito.

TM:
No que se refere a eventuais alterações à legislação laboral, qual a posição da AIMMAP?
RCP:
Como posição de princípio, entendemos que não faz qualquer sentido que se proceda agora a alterações ao Código do Trabalho. Esse diploma entrou em vigor em 2009, pelo que seria prematuro estar já a revê-lo.
Encaramos todavia com bons olhos eventuais propostas que visem a vigência temporária de um regime transitório que agilize a contratação a termo.
Num momento em que apesar de alguma retoma, não há ainda sequer perspectivas de que a situação do país e do mundo vão melhorar, se nada for feito, a maioria das empresas poderá retrair-se na criação de mais postos de trabalho. Pelo que se o país quer mesmo criar mais emprego, tem de encarar esta matéria sem os habituais preconceitos.

TM:
Outra questão importante, prende-se com o facto de estar já previsto um aumento do salário mínimo nacional para € 500,00 em 2011. Qual a posição da AIMMAP?
RCP:
Esta é uma matéria que nos preocupa muito. Alguns segmentos do nosso sector poderão ter grandes dificuldades em consequência de tal aumento.
Devo aliás dizer que um número apreciável de trabalhadores ao serviço de empresas de alguns subsectores do sector metalúrgico e metalomecânico – correspondente a cerca de 6% do total de trabalhadores do sector -, poderá estar a auferir em Janeiro de 2011 uma retribuição mensal inferior a € 500,00.
O aumento do salário mínimo nacional para tal valor irá pois, por si só, provocar significativas perdas de competitividade a diversas empresas.
Mas acresce que esse facto acabará por afectar a generalidade das empresas, uma vez que um aumento da retribuição mínima mensal garantida terá seguramente efeitos na generalidade dos salários, empurrando-os para níveis que muitas empresas não estarão em condições de pagar.
Em nosso entendimento, o aumento projectado terá no mínimo de ser faseado. E terá necessariamente de ser acompanhado de medidas de apoio a alguns sectores de actividade. Caso contrário, estamos convictos de que as nossas empresas perderão competitividade nos mercados internacionais com inevitáveis decréscimos das exportações nacionais.

TM:
Para finalizar este conjunto de questões, perguntamos-lhe qual a expectativa da AIMMAP relativamente à discussão e votação da Lei do Orçamento para 2011.
RCP:
As nossas empresas em particular e o país em geral já não têm mais capacidade de resistência face a crises políticas mais ou menos artificiais. Os dois principais partidos políticos têm de ser verdadeiramente responsáveis. Em nossa opinião, PS e PSD estão condenados a entender-se no que se refere à Lei do Orçamento. Se não o fizerem serão, os dois, os principais responsáveis por uma crise gravíssima, de proporções que se antevêem verdadeiramente assustadoras.
Assim sendo, nem sequer nos passa pela cabeça que não venha a haver bom senso nesta matéria.

TM:
Para concluir. Como encara a AIMMAP a anunciada refundação do movimento associativo patronal de cúpula, nomeadamente através da reformulação da agora CIP – Confederação Empresarial de Portugal?
RCP:
É sabido que a AIMMAP desde há muito tem estado altamente empenhada no reforço da actividade desenvolvida pela CIP.
Estando representada na Direcção da CIP, a AIMMAP participou activamente neste processo de consolidação daquela confederação.
Estamos certos de que a “nova” CIP tem condições para defender ainda melhor os legítimos interesses e as grandes causas da indústria nacional. Relativamente ao passado, houve ganhos de representatividade, de coesão e até mesmo de legitimidade.
A AIMMAP encara pois com grande entusiasmo esta nova fase da vida da sua confederação de cúpula, estando certa ainda de que com a sua actual liderança, mais do que nunca, a defesa dos interesses das empresas está em excelentes mãos.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A propósito do aumento do salário mínimo nacional

Estando previsto para 1 de Janeiro de 2011 um aumento do salário mínimo nacional de € 475,00 para € 500,00, justifica-se que o mundo empresarial fique relativamente inquieto com, pelo menos, os efeitos indirectos que esse previsível aumento poderá vir a ter nos salários em geral.

Tendo em conta o exposto, no editorial da edição de “Metal” publicada como suplemento do jornal “Vida Económica” de 24 de Setembro, o Presidente da Direcção da AIMMAP abordou o assunto de forma criteriosa e objectiva.

Considerando o relevo do assunto em apreço, transcreve-se nas linhas subsequentes deste blogue o referido editorial.

"Salário mínimo nacional

Está anunciado pelo Governo que a retribuição mínima mensal garantida – habitualmente designada por salário mínimo nacional –, irá aumentar de € 475,00 para € 500,00 a partir do próximo dia 1 de Janeiro de 2011.
Num momento em que a economia portuguesa continua ainda a sofrer os efeitos de sucessivas crises financeiras, económicas e políticas, não podemos deixar de ficar preocupados com esta eventualidade.
Acresce que as empresas têm visto aumentar os respectivos custos aos mais diversos níveis. O custo da energia tem aumentado e não se vislumbra sequer a possibilidade de poder vir a baixar. Os preços dos combustíveis têm vindo a subir de forma gradual mas consistente. Anuncia-se a introdução de portagens na generalidade das auto-estradas portuguesas. O acesso ao financiamento bancário é cada vez mais difícil, sendo aliás certo que a situação se agravou consideravelmente nesse âmbito após as férias de verão. E os chamados custos de contexto não cessam de se multiplicar.
Daqui resulta que a tesouraria da generalidade das empresas está verdadeiramente exaurida.
Assim sendo, não custa perceber que, directamente, aquele aumento do salário mínimo nacional irá afectar um conjunto relativamente vasto de empresas, reduzindo ainda mais a respectiva competitividade nos mercados externos.
No que concerne especificamente às empresas do sector metalúrgico e metalomecânico, estimamos que a medida irá ter efeitos directos num número superior a 5% dos trabalhadores. Embora esse universo de trabalhadores seja aparentemente reduzido, conclui-se facilmente que o impacto será significativo para as empresas afectadas.
Mas acresce que a medida em causa afectará indirectamente uma parte muito significativa dos salários. Ao consumar-se um aumento tão grande nos salários de base serão geradas expectativas de aumentos nas retribuições superiores. O que pressionará uma evolução geral dos salários para patamares que as empresas não estarão em condições de pagar.
Estamos convictos de que esta pressão salarial irá reduzir a competitividade das nossas empresas e prejudicar as exportações nacionais.
Pelo que apelamos a que este assunto seja revisto com a serenidade que a sua importância impõe.
Que ninguém tenha dúvidas de que as empresas desejariam pagar mais aos respectivos trabalhadores. Por muito que custe à vozearia preconceituosa do costume, essa é hoje a cultura empresarial vigente.
Porém, ninguém pode assumir obrigações ou compromissos que não seja capaz de honrar. Caso contrário, a viabilidade de muitas empresas irá ser posta em causa. É que não só os custos aumentarão como as próprias receitas irão diminuir em virtude de os preços de venda deixarem de ser competitivos.
O montante do aumento do salário mínimo nacional terá pois de ser reavaliadao, com ponderação e realismo.
Mas será ainda fundamental que, qualquer aumento que venha a ser deliberado em concreto, tenha na decisão que o preceder duas condições de base.
Em primeiro lugar é essencial que seja faseado no tempo, de forma a não só mitigar o seu impacto directo como também a fazer diluir as eventuais expectativas de alargamento do aumento aos salários superiores.
Em segundo lugar, é indispensável que alguns sectores e/ou subsectores de actividade sejam devidamente apoiados na implementação dos aumentos.
No estado em que muitas das empresas portuguesas se encontram actualmente, não seria responsável que lhes sejam impostos aumentos a que as mesmas não são capazes de corresponder e depois fossem as mesmas abandonadas sem qualquer espécie de solidariedade ou protecção.
Afinal de contas, o dinheiro não é infinito. Pelo que não será possível exigir-se aumentos salariais na ordem de grandeza que está a projectar-se sem que ao mesmo tempo as empresas sejam apoiadas no acesso ao financiamento bancário e na satisfação das suas responsabilidades ao nível da energia, dos combustíveis, das portagens e da generalidade dos cada vez mais numerosos e insuportáveis custos de contexto.
Apesar de tudo, estamos certos de que irá prevalecer o bom senso.
Aníbal Campos
Presidente da Direcção da AIMMAP"