sexta-feira, 27 de março de 2015

Comércio internacional na Europa: barreiras artificiais…reais

Numa altura em que as exportações em geral e as do setor metalúrgico e metalomecânico em particular, são o motor do crescimento do país, crescem na Europa medidas protecionistas que serão graves para a nossa competitividade.

Se as condições concorrenciais das empresas portuguesas já são penalizadas em questões como o acesso ao financiamento ou os custos energéticos, introduzir meios de distorcer o mercado de transportes, como os que estão a ser inseridos na Alemanha, França ou Bélgica, é contrário ao espírito Europeu e à conceção de mercado único. Está na altura dos responsáveis nacionais acordarem para estas injustiças e atuarem em conformidade. Leia o editorial de Aníbal Campos no METAL para concretizar o que está em causa para as empresas, aqui 

"Barreiras artificiais no interior da Europa

A criação de um mercado único europeu, sem fronteiras entre os países, é muito justamente encarada como uma das grandes virtudes de uma Europa unida.
Durante anos, considerando a menor competitividade das empresas portuguesas, estivemos condenados a encarar esse benefício de estarmos integrados num mercado único gigantesco como uma esperança de futuro.
Na verdade, durante décadas o saldo comercial de Portugal com a generalidade dos seus parceiros europeus foi recorrentemente deficitário. E as nossas importações suplantaram sistematicamente as nossas vendas para os restantes países europeus.
Não obstante, ao contrário do que frequentemente sucede em Portugal, as nossas empresas prepararam-se com perseverança e paciência para a inversão desse saldo.
Apesar de sérias distorções na concorrência, apesar de o acesso ao financiamento ser mais caro do que aquele que empresas com balanços idênticos suportam e apesar de custos de energia superiores, as empresas portuguesas foram fazendo o seu caminho e modernizaram-se profundamente, no sentido de passarem a competir com maior robustez com as suas congéneres europeias no interior do mercado único.
Esse trabalho de formiga está finalmente a dar frutos. E não obstante todas aquelas dificuldades atrás elencadas, atualmente muitas das nossas empresas já concorrem de igual para igual com as melhores empresas dos restantes países da União.
Infelizmente, ao que parece, chegámos tarde. Na verdade, no momento em que imaginaríamos poder entrar numa era superavitária suscetível de compensar décadas de défices persistentes, e precisamente numa altura em que as instâncias europeias anunciam medidas agregadoras da Europa, começam a ser adotadas por diversos países da União novas medidas restritivas da concorrência livre e sã. Ou seja, alguns países europeus estão implementar mecanismos legais que se consubstanciam em verdadeiras barreiras artificiais à circulação de mercadorias entre os países que constituem a União Europeia.
Vários são os exemplos que poderia aqui citar nesse âmbito para ilustrar o meu ponto. Mas para não maçar os leitores cingir-me-ei por agora às medidas aplicadas ao transporte rodoviário em França, Bélgica e Alemanha.
Trata-se de medidas que afetam claramente a competitividade da indústria nacional e que procurarei identificar de forma sintética para alerta aos nossos associados.
Ora, o transporte rodoviário é o principal canal através do qual as nossas empresas fazem escoar os seus produtos para os restantes países europeus.
Pelo que quaisquer medidas que tenham como consequência o aumento dos seus custos de transporte, retiram competitividade à oferta portuguesa.
Infelizmente, foi precisamente isso que a Bélgica, a França e a Alemanha fizeram recentemente, com efeitos a partir do passado dia 1 de janeiro.
No caso concreto da Bélgica e da França, passou a ser proibido aos condutores de transporte rodoviário cumprirem o seu período de descanso semanal a bordo dos veículos, ainda que os mesmos possuam todas as condições adequadas para o efeito.
Assim sendo, os motoristas passam a ser obrigados a pernoitar em hotéis. Passam a ser obrigados a aparcar os camiões em parques pagos. Passam a ser obrigados a fazer desvios de rota e a efetuarem mais quilómetros. E em consequência do agravamento dos perigos de roubo dos camiões, os custos de seguro suportados pelas empresas transportadoras são aumentados.
Tudo isto aumenta seriamente os custos de transporte, os quais são naturalmente repercutidos nas empresas exportadoras.
Já no que se refere à Alemanha, passa a ser obrigatoriamente pago aos motoristas de veículos de empresas domiciliadas noutros países o salário hora aplicável naquele país.
Tal obrigatoriedade ocorre inclusivamente em situações de simples travessia do país e nas quais o destino seja outro membro da União. Naturalmente, essa medida vai implicar um aumento dos custos salariais das empresas de transportes sempre que os seus condutores circulem pela Alemanha. E acresce que a arquitetura da medida em causa implicará uma panóplia de obrigações burocráticas que agravam os custos administrativos das entidades empregadoras dos motoristas.
Tal como na situação anterior, também todos esses custos serão repercutidos nas empresas exportadoras.
Estima-se que por via dessas medidas os custos de transporte irão aumentar entre 5% e 10% na Bélgica e em França e entre 2% e 4% na Alemanha.
Eventualmente mais grave ainda, teme-se que outros países venham a adotar disposições semelhantes, o que exponenciará aquele aumento dos custos.
Trata-se aqui de medidas altamente protecionistas e que provocam distorção na concorrência, consubstanciando a criação de barreiras artificiais ao livre comércio e violando os princípios fundadores da Europa unida. E como é evidente penalizam muito acentuadamente a competitividade das exportações de países particularmente periféricos como é o caso de Portugal.
É urgente que os governos de estados membros como Portugal se insurjam de forma veemente contra estas práticas. E quando muitos responsáveis europeus se penitenciam por eventualmente terem sujeitado o nosso país a humilhações desnecessárias durante os últimos anos, o momento atual seria o mais propício para começarmos a exigir sermos finalmente tratados com justiça e equidade.
Para além disso, é absolutamente vital que o Estado português defina de uma vez por todas uma política de transportes integrada, articulando e criando sinergias entre o transporte rodoviário, o transporte ferroviário e o transporte marítimo. É certo que também nesse âmbito será preciso enfrentar poderes instalados e combater barreiras artificiais. Mas também é verdade que sem coragem não se conseguirá ir a lado nenhum.
Aníbal Campos
Presidente da Direção da AIMMAP"





terça-feira, 3 de março de 2015

Financiar quem quer investir

Foi anunciado o programa do Banco Central Europeu para injetar liquidez nas economias europeias, o Quantative Easing.

Independentemente da bondade da medida, do ponto de vista de Portugal e das empresas nacionais, este programa só terá efeitos reais se estiver conjugado com a redução da burocracia, da carga fiscal e do melhoramento dos mecanismos de acesso aos fundos estruturais. E se juntarmos a isto uma melhor perceção da banca relativamente ao risco de investimento das empresas, então sim, poderemos ter esperança de que os euros do BCE cheguem à economia real.
Estas são parte das reflexões do Presidente Aníbal Campos que a todos convidamos a ler no editorial do Metal de fevereiro aqui.

"Fazer chegar o dinheiro à economia
O Banco Central Europeu anunciou recentemente o Quantitative Easing Europeu, um programa há muito tempo ansiosamente aguardado e através do qual aquele banco central pretende injetar dinheiro nas economias europeias.
Concretamente, o BCE irá proceder à compra de dívida pública aos países da zona Euro, num montante total que se estima ascender a 500.000 milhões de euros.
Este programa poderá ter efeitos positivos importantes na gestão da dívida dos estados, sendo ainda possível que, pelo menos indiretamente, possa vir a ter impacto em algumas economias europeias.
Mas se não for acompanhado de outras medidas estruturantes, será muito difícil que venha a cumprir os efeitos que os mais otimistas lhe estão a atribuir.
Ora, é verdade que a compra de dívida pública poderá ter o efeito de estabilizar os custos de gestão da dívida dos estados, o que naturalmente será positivo.
É também certo que, pelo menos conceptualmente, os custos de financiamento das economias europeias serão reduzidos – o que se acolhe igualmente com satisfação.
E finalmente, também se admite como plausível um efeito indireto positivo nas empresas exportadoras, as quais se tornarão mais competitivas nos mercados globais em resultado da inevitável depreciação do euro.
Não obstante, é muito duvidoso que, se nada mais for feito, os montantes injetados em cada país pelo BCE cheguem efetivamente às empresas. Pelo contrário, existe o risco bem real de que o dinheiro fique aprisionado no setor financeiro.
Com efeito, independentemente desta medida que agora será implementada pelo BCE, o setor financeiro não tem hoje em dia quaisquer problemas de liquidez. Pelo contrário, a generalidade dos bancos tem muito dinheiro disponível para injetar na economia.
Nesse quadro, se os bancos não emprestam dinheiro às empresas, isso não decorre de falta de liquidez mas sim em resultado de uma perceção de risco quase alarmista. Os bancos não concedem crédito porque têm medo de investir numa economia que a seu ver permanece instável e muito frágil.
Assim sendo, se é certo que já atualmente têm excesso de liquidez e ainda assim são altamente restritivos na concessão de crédito, não será seguramente por passarem a ter mais dinheiro disponível que mudarão as suas políticas nesse âmbito.
É pois fundamental que cada Estado Membro beneficiário deste programa implementado pelo BCE faça também o seu trabalho de casa e tome a iniciativa de criar mecanismos que facilitem a transferência do dinheiro do sistema financeiro para a economia real.
Nesse contexto, no que concerne ao estado português, é indispensável em primeiro lugar que sejam implementadas medidas de promoção do investimento, nomeadamente através da redução da burocracia, do alívio da carga fiscal e da agilização dos mecanismos de acesso aos fundos que serão disponibilizados no próximo quadro comunitário de apoio. 
Por outro lado, é essencial que sejam desencadeadas medidas que estimulem uma maior flexibilização dos critérios observados pela banca portuguesa na concessão de crédito. E nesse âmbito, o estado português deverá desempenhar um papel fundamental através da Caixa Geral de Depósitos e fundamentalmente da futura Instituição Financeira de Desenvolvimento – vulgarmente designada como Banco do Fomento.
Quanto a nós estes serão dois eixos decisivos para que as boas intenções do BCE se traduzam em verdadeiros estímulos à economia portuguesa.
Pelo que, a nosso ver igualmente, é fundamental que sejam levados em boa conta pelo governo português. E se o governo não os subscrever, ficaremos a aguardar que nos explique as suas razões.
Mas independentemente disso, urge fazer alguma coisa de eficiente neste âmbito, pois se o dinheiro não chegar efetivamente à economia, este programa do BCE será para o país exatamente o mesmo do que chover no molhado.
Aníbal Campos
Presidente da Direção da AIMMAP"