terça-feira, 3 de março de 2015

Financiar quem quer investir

Foi anunciado o programa do Banco Central Europeu para injetar liquidez nas economias europeias, o Quantative Easing.

Independentemente da bondade da medida, do ponto de vista de Portugal e das empresas nacionais, este programa só terá efeitos reais se estiver conjugado com a redução da burocracia, da carga fiscal e do melhoramento dos mecanismos de acesso aos fundos estruturais. E se juntarmos a isto uma melhor perceção da banca relativamente ao risco de investimento das empresas, então sim, poderemos ter esperança de que os euros do BCE cheguem à economia real.
Estas são parte das reflexões do Presidente Aníbal Campos que a todos convidamos a ler no editorial do Metal de fevereiro aqui.

"Fazer chegar o dinheiro à economia
O Banco Central Europeu anunciou recentemente o Quantitative Easing Europeu, um programa há muito tempo ansiosamente aguardado e através do qual aquele banco central pretende injetar dinheiro nas economias europeias.
Concretamente, o BCE irá proceder à compra de dívida pública aos países da zona Euro, num montante total que se estima ascender a 500.000 milhões de euros.
Este programa poderá ter efeitos positivos importantes na gestão da dívida dos estados, sendo ainda possível que, pelo menos indiretamente, possa vir a ter impacto em algumas economias europeias.
Mas se não for acompanhado de outras medidas estruturantes, será muito difícil que venha a cumprir os efeitos que os mais otimistas lhe estão a atribuir.
Ora, é verdade que a compra de dívida pública poderá ter o efeito de estabilizar os custos de gestão da dívida dos estados, o que naturalmente será positivo.
É também certo que, pelo menos conceptualmente, os custos de financiamento das economias europeias serão reduzidos – o que se acolhe igualmente com satisfação.
E finalmente, também se admite como plausível um efeito indireto positivo nas empresas exportadoras, as quais se tornarão mais competitivas nos mercados globais em resultado da inevitável depreciação do euro.
Não obstante, é muito duvidoso que, se nada mais for feito, os montantes injetados em cada país pelo BCE cheguem efetivamente às empresas. Pelo contrário, existe o risco bem real de que o dinheiro fique aprisionado no setor financeiro.
Com efeito, independentemente desta medida que agora será implementada pelo BCE, o setor financeiro não tem hoje em dia quaisquer problemas de liquidez. Pelo contrário, a generalidade dos bancos tem muito dinheiro disponível para injetar na economia.
Nesse quadro, se os bancos não emprestam dinheiro às empresas, isso não decorre de falta de liquidez mas sim em resultado de uma perceção de risco quase alarmista. Os bancos não concedem crédito porque têm medo de investir numa economia que a seu ver permanece instável e muito frágil.
Assim sendo, se é certo que já atualmente têm excesso de liquidez e ainda assim são altamente restritivos na concessão de crédito, não será seguramente por passarem a ter mais dinheiro disponível que mudarão as suas políticas nesse âmbito.
É pois fundamental que cada Estado Membro beneficiário deste programa implementado pelo BCE faça também o seu trabalho de casa e tome a iniciativa de criar mecanismos que facilitem a transferência do dinheiro do sistema financeiro para a economia real.
Nesse contexto, no que concerne ao estado português, é indispensável em primeiro lugar que sejam implementadas medidas de promoção do investimento, nomeadamente através da redução da burocracia, do alívio da carga fiscal e da agilização dos mecanismos de acesso aos fundos que serão disponibilizados no próximo quadro comunitário de apoio. 
Por outro lado, é essencial que sejam desencadeadas medidas que estimulem uma maior flexibilização dos critérios observados pela banca portuguesa na concessão de crédito. E nesse âmbito, o estado português deverá desempenhar um papel fundamental através da Caixa Geral de Depósitos e fundamentalmente da futura Instituição Financeira de Desenvolvimento – vulgarmente designada como Banco do Fomento.
Quanto a nós estes serão dois eixos decisivos para que as boas intenções do BCE se traduzam em verdadeiros estímulos à economia portuguesa.
Pelo que, a nosso ver igualmente, é fundamental que sejam levados em boa conta pelo governo português. E se o governo não os subscrever, ficaremos a aguardar que nos explique as suas razões.
Mas independentemente disso, urge fazer alguma coisa de eficiente neste âmbito, pois se o dinheiro não chegar efetivamente à economia, este programa do BCE será para o país exatamente o mesmo do que chover no molhado.
Aníbal Campos
Presidente da Direção da AIMMAP"

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