segunda-feira, 17 de março de 2008

A INDIFERENÇA A QUE PME’s SÃO VOTADAS

Em Portugal, infelizmente, as PME’s continuam a ser votadas a uma insuportável indiferença, não obstante continuem a ser a principal fonte de emprego e de riqueza do país.

Pelo contrário, as grandes empresas de serviços e os seus negócios tantas vezes difíceis de compreender pelos vulgares cidadãos, continuam a ser alvo do maior carinho por parte do Estado, da comunicação social e até de uma parte da opinião pública.

Lamentando que as prioridades estejam completamente invertidas, o Presidente da Direcção da AIMMAP pronunciou-se sobre este assunto em artigo de opinião publicado na edição de 14 de Março do jornal Vida Económica.

Tendo em conta a pertinência e a importância do assunto, transcreve-se nas linhas subsequentes o referido artigo do Presidente da AIMMAP.

"A degola dos inocentes

Nos últimos anos temos assistido com uma intensidade crescente a notícias sobre factos e acontecimentos relativos à vida dos bancos, seguradoras ou grandes empresas de telecomunicações e energia.

Confesso que, à maioria de nós, empresários ou gestores de uma indústria que se diz da ferrugem, os factos de que vamos tomando conhecimento sobre a vida daquelas grandes empresas nos geram uma enorme apreensão.

E mais ainda, causa-nos alguma perplexidade a forma complacente e até por vezes cúmplice com que as autoridades públicas, a comunicação social e os próprios mercados assistem ao que se vai passando em tal âmbito.

Permitam-me sublinhar que não me reporto aqui às notícias sobre crimes fiscais, sobre fraudes de milhões de que ninguém toma conhecimento previamente, sobre fugas de informações nas bolsas, sobre a criação de sociedades offshore ilegais ou até sobre o financiamento ilícito de partidos políticos.

Pelo contrário, refiro-me apenas a factos que até já são considerados normais. Os lucros estratosféricos, os regimes fiscais privilegiados, os negócios pouco transparentes com os amigos ou os salários principescos que as administrações se atribuem a si mesmas.

Como também os folhetins com as OPA’s frustradas, os custos com fusões falhadas ou os gastos com assessores de imagem, advogados ou consultores de tudo e de nada.

Enquanto Presidente da Direcção da AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, foram já muitas as vezes que me interroguei a propósito do que é que nós, industriais de PME’s, teimamos em continuar aqui a fazer.

Tentamos criar investimento, geramos postos de trabalho e insistimos em produzir riqueza. Em conjunto, somos seguramente o maior alicerce social do país. E somos nós a garantia do ganha pão para a generalidade das famílias portuguesas. Mais do que o Estado ou as grandes empresas de serviços.

E em troca o que temos? A indiferença da comunicação social, o desconhecimento da opinião pública e até mesmo a sobranceria de alguns governantes. E não temos sequer o direito de esperar os estímulos dados a outros ou a criação de regimes legais privilegiados que também a outros são dirigidos com carácter de verdadeira exclusividade.

Para além disso, continuamos a engordar a banca e as grandes empresas de serviços. E continuamos a ser uns pobres inocentes, sempre prontos a ser degolados perante a indiferença generalizada.

Será que só a nós, industriais da ferrugem, impressiona este estado de coisas? Será que ninguém vê que este modelo de sociedade nos vai conduzir a um vazio? E será que é este o legado que queremos deixar às futuras gerações?

Quanto a mim confesso que vou continuar a lutar no sentido de poder contribuir com a minha modesta quota parte na construção dos modelos económicos e sociais em que continuo a acreditar.

Uma sociedade em que o mérito e o trabalho continuem a ser mais dignos do que a imagem ou o status. Uma economia em que a criação de valor seja mais reconhecida do que a riqueza assente em especulação. Um país que acarinhe a economia real e não se submeta servilmente aos grandes interesses.

Espero ser acompanhado nesse combate pelos meus colegas da indústria, os quais sentem na pele tanto quanto eu todas estas chagas de que me queixo.

Mas mais do que o nosso esforço ou boa vontade, no estado em que as coisas já estão, é verdadeiramente fundamental que o Estado português dê exemplos de sinais concretos de que não vai continuar a pactuar com a vacuidade e/ou com a impunidade.

Nesta onda de reformas aos mais variados níveis a que temos vindo a assistir ao longo dos últimos anos, continua por iniciar a mais decisiva de todas elas: a reforma das mentalidades de quem decide os nossos destinos, com a consequente criação de novos modelos em que os pequenos e médios empresários possam deixar de ser - perdoem-me a brutalidade da expressão -, verdadeiros idiotas úteis.

António Saraiva

Presidente da Direcção da AIMMAP"



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