segunda-feira, 26 de novembro de 2007

SOBRE A EFICIÊNCIA FISCAL

Muito se tem vangloriado o Estado português pelo alegado aumento da eficácia da sua máquina fiscal.

Porém, a eficiência de qualquer administração tributária não poderá ser aferida apenas pelos resultados atingidos por uma máquina colectora voraz.

Em artigo publicado na “Vida Económica” – edição de 2007-11-23 -, o Presidente da Direcção da AIMMAP procurou fazer um ponto de ordem a esse respeito.

Tendo em conta não só a importância da matéria em questão como também o significado da argumentação expendida, justifica-se plenamente a transcrição de tal artigo neste blogue.


"EFICIÊNCIA FISCAL

Nos últimos tempos habituámo-nos a ouvir falar de um significativo aumento da eficiência da administração tributária em Portugal.
Não tenho dúvidas de que a máquina fiscal está a funcionar muito melhor no que se refere à concretização das cobranças.
Enquanto cidadão, empresário e Presidente da Direcção da AIMMAP congratulo-me não só com o facto de a cobrança de impostos ter passado a ser mais eficaz como também com a circunstância de começar a haver condições para que se possa concluir que o sentimento de impunidade anteriormente existente neste domínio poderá vir a desaparecer.
Tenho no entanto as maiores reservas a que possamos embandeirar em arco com estas notícias.
A qualidade da administração fiscal não pode ser aferida apenas pela eficiência com que os impostos são cobrados.
Tão ou mais importante é a forma com que os seus órgãos e responsáveis tratam os contribuintes.
É que o Estado não pode ser ágil e mesmo voraz quando se trata de cobrar, e, ao invés, ser lento e autista quando se trata de respeitar os direitos e garantias dos contribuintes.
Porém, na prática, continuamos a assistir a comportamentos muito pouco dignos por parte da administração fiscal. Seja no que se refere aos atrasos nos reembolsos a contribuintes, seja no que se refere a verdadeiros ataques processuais em que inclusivamente se violam as mais elementares garantias dos cidadãos.
Entendo pois que quem apregoa aos quatro ventos a qualidade da nossa máquina fiscal evidencia uma visão distorcida da realidade, a qual decorre de uma avaliação manifestamente errada quanto ao que deve ser o relacionamento entre os cidadãos e o Estado.
Bem sei que o aumento das situações de incumprimento fiscal ocorridas nos anos mais recentes obrigou a que o Estado se visse na contingência de tomar medidas mais drásticas.
Em todo o caso, nas sociedade modernas a adopção de medidas repressivas, quando não acompanhadas de outras medidas verdadeiramente mobilizadoras, corre o risco de vir a falhar mais tarde ou mais cedo.
Assim sendo, tomadas já as medidas coercivas, urge que sejam agora tomadas outras susceptíveis de estimular e sensibilizar os cidadãos.
Os contribuintes apenas poderão continuar a acreditar na administração tributária, se esta souber dotar-se dos meios e instrumentos indispensáveis para que sejam salvaguardados os seus direitos.
É chegado o tempo em que o Estado, para além de lesto a exigir, seja também ágil a cumprir as respectivas obrigações e a respeitar os contribuintes.
E estamos além disso chegados a um momento em que os paradigmas subjacentes ao relacionamento entre o Estado e os contribuintes terão de evoluir rapidamente para outros patamares.
A proposta de lei do orçamento apresentada pelo actual Governo integra, para além de outras sobre as quais a seu tempo me pronunciarei, uma medida simbólica que me parece poder indiciar uma evolução positiva neste âmbito.
Está de facto prevista na referida proposta de lei, num caso específico, a realização de acordos entre a administração fiscal e os contribuintes.
Refiro-me concretamente aos acordos prévios sobre preços de transferência (APPT), os quais consubstanciam a possibilidade de, no domínio das relações comerciais internacionais, o fisco e os sujeitos passivos estabelecerem um conjunto de critérios para determinação dos preços de transferência aplicáveis a operações comerciais e financeiras, previamente à realização dessas operações, com o objectivo de não só prevenir e evitar litígios como também de conferir maior segurança fiscal.
É evidente que esta é uma medida de alcance muito preciso e limitado, que acaba naturalmente por ter um peso ínfimo no relacionamento entre o fisco e a generalidade dos contribuintes.
Não posso no entanto deixar de vislumbrar aqui uma luz ao fundo do túnel, na medida em que esta será provavelmente a primeira vez em que a nossa legislação fiscal irá admitir acordos entre a administração tributária e os contribuintes.
Pelo que a importância simbólica desta eventual medida é bem superior ao seu valor facial.
Espero sinceramente que esta inovação venha a ser consequente. Ou seja, que não se limite a ser uma medida pontual mas sim, pelo contrário, um verdadeiro indício de uma opção estratégica nos termos da qual os cidadãos possam ter a pretensão de ser tratados com respeito e de forma responsável por parte do Estado.
A possibilidade de celebração de acordos entre o fisco e os cidadãos deverá pois ser alargada a muitas outras vertentes. Se assim suceder, é seguro que poderemos esperar uma maior mobilização dos contribuintes tendo em vista o reforço da eficiência fiscal. E permitam-me aliás que continue a pensar que mesmo no sentido de uma maior eficácia da máquina colectora, a nossa administração fiscal terá tudo a ganhar se puder e souber ser mais ágil no relacionamento com os contribuintes.

António Saraiva
Presidente da Direcção da AIMMAP"

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